Roberto Beijato Junior | Desafios do Ensino Jurídico na Atualidade Brasileira

Roberto Beijato Junior | Desafios do Ensino Jurídico na Atualidade Brasileira

Desafios do ensino jurídico na atualidade brasileira

Roberto Beijato Junior

 

Não é novidade o processo de sucateamento que os cursos superiores vêm sofrendo no Brasil. No caso do Direito, a corrupção mercadológica sobre o ensino jurídico é tamanha que atualmente, somente o Brasil possui mais faculdades de Direito que o resto do mundo inteiro![1]

Não raro, infelizmente, vemos inúmeras faculdades que se tornaram apenas negócios, onde literalmente se enfiam, por vezes, mais de 100 alunos numa única sala (ou melhor dizendo, num único galpão), onde imperam as mais diversas táticas de estelionato acadêmico.

O estudo do Direito, seguindo os ensinamentos do Prof. Tércio Sampaio Ferraz Junior, depende de uma abordagem conjunta das instâncias dogmática e zetética. A primeira, que vem do termo dogma, o qual, por sua vez encontra sua raiz etimológica no grego  “δοκεῖν” (dokein) que designa “doutrinar”, “impor”. Daí vemos que a própria instância dogmática do Direito é a instância composta pelas verdades apriorísticas do direito, ou seja, aquilo que não se põe à prova e se assume como verdadeiro, doutrinariamente.

Os ramos dogmáticos do Direito serão compostos, portanto, pelos conceitos já postos e assumidos como verdadeiros pelo próprio Direito. É o que estuda, por exemplo, nos grandes campos de divisão do Direito como, por exemplo, quando se estudam os contratos no Direito Civil, a teoria geral do crime no Direito Penal, os atos administrativos em Direito Administrativo, entre outros.

Não há dúvidas de que a formação do jurista não prescinde da efetiva assimilação dos conceitos dogmáticos, os quais devem ser profundamente estudados e dominados, como forma de propiciar a eficiência prática do próprio Direito.

No entanto, muito diferente é fechar os olhos ao mundo da zetética, falha na qual incorrem os dogmáticos menos envoltos à pesquisa, preferindo manterem-se no local de conforto, ou seja, no local conhecido, da segurança do conhecimento do “dado”.

A abordagem do Direito, de modo a ser considerada científica, deve submeter a dogmática à crítica, ou seja, pô-la a prova. Esse é o principal papel da filosofia e das demais disciplinas zetéticas. O termo zetética advém do grego zetein, que significa indagar, refletir, etc. Daí se vê que é na zetética que encontraremos a oportunidade de exercício reflexivo sobre o arcabouço posto.

Alguém que se limite à dogmática será um tecnocrata, conhecerá a técnica dos conceitos jurídicos, porém lhe faltará o aparato humano. Este será o famoso advogado, juiz, promotor, etc., “copia e cola” e que facilmente vêm sendo substituídos por softwares de inteligência artificial. São substituíveis por excelência, vez que faltando um operário para manusear a técnica, adquire-se outro e assim sucessivamente.

É na filosofia que encontraremos a possibilidade de exercício reflexivo e inserção de nossa própria subjetividade – esta sim individual e insubstituível – sobre os dogmas, que deixam, então, de estar imunizados, vez que submetidos à crítica. O filósofo é insubstituível, por ser aquele que exercerá suas ínsitas reflexões sobre os fenômenos com os quais se depara. Há, atualmente, muitos historiadores da filosofia, ou seja, indivíduos que conhecem o pensamento de terceiros e se limitam a descrevê-lo. Cada vez mais raro são aqueles que desenvolvem filosofia de primeiro grau, ou seja, desenvolvem suas reflexões imanentes e próprias. Estes são, de fato, insubstituíveis. Jamais alguém poderá continuar a obra deixada, por exemplo, por Miguel Reale ou por Luis Alberto Warat. Com a morte do filósofo fica apenas o vazio, encerra-se um ciclo. Com a morte do dogmático, pouco muda na ciência, este é um operador tão somente e, desse modo pode ser facilmente substituído por outro operador, como uma peça que é trocada em uma máquina.

A corrupção mercadológica sobre o ensino atual segue a tendência da modernidade capitalista, qual seja, a de visualizar no homem não mais que um Homo Faber, ou seja, o homem feito para o trabalho, utilitário, em que cada dia deve ser produtivo e destinado a um fim imediatista. À guisa da liquidez das relações que vivemos na modernidade, como já enunciado por Bauman, fato é que a repercussão da lógica da modernidade aplicada ao ensino produz o nefasto efeito de romper, justamente, com aquilo que é mais essencial à universidade: a produção de reflexões e pensamentos e estímulo intelectual. As universidades acabam por ser campos de formação para o mercado. Daí uma das razões – sem excluir outras – que exponho em outros escritos[1] de um estudo acrítico e tecnocrata do Direito nas universidades mercadológicas atuais.

O grande desafio do ensino jurídico atual é o de romper com a lógica mercadológica, propiciando a aliança entre as humanidades e a dogmática, numa abordagem conjunta entre as instâncias da zetética e da dogmática jurídica. As universidades devem produzir pensadores e não robôs, ainda mais num campo como o Direito que, apesar de nestas primeiras décadas do século XXI vir perdendo sua humanidade, ser um campo essencialmente humano.

[1]  Conferir: http://www.oab.org.br/noticia/20734/brasil-sozinho-tem-mais-faculdades-de-direito-que-todos-os-paises

[2] A exemplo do artigo de minha autoria intitulado “O tempo da modernidade e o tempo da reflexão”, bem como BEIJATO JUNIOR, Roberto. A ilha de pala e a educação do século XXI (parte I). Revista Filosofia, ciência e vida. edição nº 134. São Paulo: Editora escala, 2018, p. 46/50;

Desafios do ensino jurídico na atualidade brasileira

Roberto Beijato Junior

 

Não é novidade o processo de sucateamento que os cursos superiores vêm sofrendo no Brasil. No caso do Direito, a corrupção mercadológica sobre o ensino jurídico é tamanha que atualmente, somente o Brasil possui mais faculdades de Direito que o resto do mundo inteiro![1]

Não raro, infelizmente, vemos inúmeras faculdades que se tornaram apenas negócios, onde literalmente se enfiam, por vezes, mais de 100 alunos numa única sala (ou melhor dizendo, num único galpão), onde imperam as mais diversas táticas de estelionato acadêmico.

O estudo do Direito, seguindo os ensinamentos do Prof. Tércio Sampaio Ferraz Junior, depende de uma abordagem conjunta das instâncias dogmática e zetética. A primeira, que vem do termo dogma, o qual, por sua vez encontra sua raiz etimológica no grego  “δοκεῖν” (dokein) que designa “doutrinar”, “impor”. Daí vemos que a própria instância dogmática do Direito é a instância composta pelas verdades apriorísticas do direito, ou seja, aquilo que não se põe à prova e se assume como verdadeiro, doutrinariamente.

Os ramos dogmáticos do Direito serão compostos, portanto, pelos conceitos já postos e assumidos como verdadeiros pelo próprio Direito. É o que estuda, por exemplo, nos grandes campos de divisão do Direito como, por exemplo, quando se estudam os contratos no Direito Civil, a teoria geral do crime no Direito Penal, os atos administrativos em Direito Administrativo, entre outros.

Não há dúvidas de que a formação do jurista não prescinde da efetiva assimilação dos conceitos dogmáticos, os quais devem ser profundamente estudados e dominados, como forma de propiciar a eficiência prática do próprio Direito.

No entanto, muito diferente é fechar os olhos ao mundo da zetética, falha na qual incorrem os dogmáticos menos envoltos à pesquisa, preferindo manterem-se no local de conforto, ou seja, no local conhecido, da segurança do conhecimento do “dado”.

A abordagem do Direito, de modo a ser considerada científica, deve submeter a dogmática à crítica, ou seja, pô-la a prova. Esse é o principal papel da filosofia e das demais disciplinas zetéticas. O termo zetética advém do grego zetein, que significa indagar, refletir, etc. Daí se vê que é na zetética que encontraremos a oportunidade de exercício reflexivo sobre o arcabouço posto.

Alguém que se limite à dogmática será um tecnocrata, conhecerá a técnica dos conceitos jurídicos, porém lhe faltará o aparato humano. Este será o famoso advogado, juiz, promotor, etc., “copia e cola” e que facilmente vêm sendo substituídos por softwares de inteligência artificial. São substituíveis por excelência, vez que faltando um operário para manusear a técnica, adquire-se outro e assim sucessivamente.

É na filosofia que encontraremos a possibilidade de exercício reflexivo e inserção de nossa própria subjetividade – esta sim individual e insubstituível – sobre os dogmas, que deixam, então, de estar imunizados, vez que submetidos à crítica. O filósofo é insubstituível, por ser aquele que exercerá suas ínsitas reflexões sobre os fenômenos com os quais se depara. Há, atualmente, muitos historiadores da filosofia, ou seja, indivíduos que conhecem o pensamento de terceiros e se limitam a descrevê-lo. Cada vez mais raro são aqueles que desenvolvem filosofia de primeiro grau, ou seja, desenvolvem suas reflexões imanentes e próprias. Estes são, de fato, insubstituíveis. Jamais alguém poderá continuar a obra deixada, por exemplo, por Miguel Reale ou por Luis Alberto Warat. Com a morte do filósofo fica apenas o vazio, encerra-se um ciclo. Com a morte do dogmático, pouco muda na ciência, este é um operador tão somente e, desse modo pode ser facilmente substituído por outro operador, como uma peça que é trocada em uma máquina.

A corrupção mercadológica sobre o ensino atual segue a tendência da modernidade capitalista, qual seja, a de visualizar no homem não mais que um Homo Faber, ou seja, o homem feito para o trabalho, utilitário, em que cada dia deve ser produtivo e destinado a um fim imediatista. À guisa da liquidez das relações que vivemos na modernidade, como já enunciado por Bauman, fato é que a repercussão da lógica da modernidade aplicada ao ensino produz o nefasto efeito de romper, justamente, com aquilo que é mais essencial à universidade: a produção de reflexões e pensamentos e estímulo intelectual. As universidades acabam por ser campos de formação para o mercado. Daí uma das razões – sem excluir outras – que exponho em outros escritos[1] de um estudo acrítico e tecnocrata do Direito nas universidades mercadológicas atuais.

O grande desafio do ensino jurídico atual é o de romper com a lógica mercadológica, propiciando a aliança entre as humanidades e a dogmática, numa abordagem conjunta entre as instâncias da zetética e da dogmática jurídica. As universidades devem produzir pensadores e não robôs, ainda mais num campo como o Direito que, apesar de nestas primeiras décadas do século XXI vir perdendo sua humanidade, ser um campo essencialmente humano.

[1]  Conferir: http://www.oab.org.br/noticia/20734/brasil-sozinho-tem-mais-faculdades-de-direito-que-todos-os-paises

[2] A exemplo do artigo de minha autoria intitulado “O tempo da modernidade e o tempo da reflexão”, bem como BEIJATO JUNIOR, Roberto. A ilha de pala e a educação do século XXI (parte I). Revista Filosofia, ciência e vida. edição nº 134. São Paulo: Editora escala, 2018, p. 46/50;