Roberto Beijato Junior

Doutor e Mestre em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor da Faculdade Escola Paulista de Direito – EPD,  tanto na graduação quanto na pós graduação (lato sensu). Foi coordenador da graduação em Direito da EPD (2017-2019). Autor de obras e artigos nos campos da Filosofia e do Direito.

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Dr Roberto Beijato Junior

Doutor e Mestre em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor da Faculdade Escola Paulista de Direito – EPD,  tanto na graduação quanto na pós graduação (lato sensu). Foi coordenador da graduação em Direito da EPD (2017-2019). Autor de obras e artigos nos campos da Filosofia e do Direito.

A ilha de Pala e a educação do século XXI

I – INTRODUÇÃO

Lembro-me, certa vez, de uma professora da qual fui aluno quando da graduação em Direito afirmar que “não se faziam mais juristas como antigamente”. Na época estava no segundo ano do curso de graduação e, com o passar dos anos, a afirmação da professora não teria como se mostrar mais precisa.

No entanto, indo além do Direito, é possível visualizarmos uma “crise” epistemológica e, por conseguinte, do próprio conhecimento, não apenas no Direito mas nas ciências humanas como um todo. A notícia de uma tal crise não é novidade. Heidegger já em 1923 informara-nos acerca da situação então prevalente e, da constante carência de sentido dos exames desenvolvidos a respeito de referida crise.[1] Passados quase cem anos da informação trazida por Heidegger, fato é que tal crise encontra-se longe de ser superada – ou mesmo de ser constatada em virtude do império do comodismo acadêmico – e, a bem da verdade, ao longo do tempo se naturalizara, sendo hoje vista como o próprio “modelo dado”.

Há, inquestionavelmente, uma superficialidade de sentido na maioria dos debates acadêmicos levados a intento, mormente no campo jurídico, onde para se dizer o óbvio, faz-se parecer que se está a dizer algo muito mais profundo do que o mero óbvio, em autênticas atuações teatrais destinadas a um público que acredita na atuação como se correspondesse à realidade. Não é a toa que, em especial no campo do Direito, se dê tanto valor, atualmente, às mais variadas formas de estelionato acadêmico que são, simplesmente veiculadas e apreendidas como conhecimento, quando na verdade não passam de uma reprodução técnica medíocre.

O que presenciamos no Direito, neste início de século XXI, mostra-se como uma tendência enfatizada na atualidade em diversos outros campos das relações humanas.  Desse modo, o foco do presente artigo será o de demonstrar a incompatibilidade entre o tempo da modernidade e o necessário tempo da reflexão, como um dos fatores que conduzem à crise moderna do conhecimento filosófico. Especialmente, as menções se farão com relação ao estudo do Direito e seu status acadêmico, sem olvidar, no entanto, menções de caráter geral.

Os motivos de tal tendência, ou melhor, as hipóteses para tal tendência, são diversas. Ao deparar-me com a contemplação da afirmação sobre a inexistência atual de juristas como os de outrora, penso que o problema crucial não é somente a suposta inexistência – num sentido geral – de juristas como os de antigamente, mas o fato primordial a ser levado em consideração é, ao contrário, o fato de na modernidade simplesmente não se pensar como antigamente.

Pretendemos abordar esta questão de forma direta nos próximos itens, expondo pensamentos próprios, uma vez que também na atualidade se mostra uma ênfase gritante ao mero estudo historiográfico da filosofia. Ao contrário, o efetivo exercício da filosofia depende da reflexão e do desenvolvimento próprio, personalíssimo do sujeito que filosofa. Preferimos, assim, abordar diretamente os problemas com os quais nos deparamos do que meramente descrever algo posto. Corremos, por claro, o risco de fazer uma “má” filosofia, mas ainda assim, muito mais útil que a restrição às descrições, uma vez que uma filosofia própria servirá sempre, ao menos, de estímulo ao desenvolvimento de outras reflexões filosóficas próprias.[2]

 

 

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O tempo da modernidade e o tempo da reflexão

Certamente a leitura das obras de Aldous Huxley nos instigam a uma vasta gama de reflexões. Tenho-o não apenas como um autor, mas como um visionário, apto a captar as tendências já presentes no início do século XX e que hoje encontram-se profundamente concretizadas.

O admirável mundo, certamente sua obra mais famosa, escrita em 1932, reflete, sem dúvidas, muito do vazio típico do século XXI. Uma legião de sujeitos que necessitam, constantemente, dos mais diversos tipos de desvio de si mesmo, a fim de fugir das diversas atribulações da vida, esquecendo-se que “o espírito cresce e a virtude se renova por meio da ferida”.

Tal como as diárias doses de soma administradas pelos cidadãos da Londres do admirável mundo novo, o homem do século XXI escraviza-se pelas doses diárias de desvios do próprio vazio. Vivemos sob a égide da doutrina da “felicidade constante”. O homem moderno não suporta qualquer tipo de estágio reflexivo que o retire de tal felicidade. Necessita-se da embriaguez contínua de uma euforia que camufla a carência de sentido existencial que muito se acentua nesta era.

Temos, sem dúvida, um homem bastante fraco e doente. Porém, o homem doente é sempre o melhor consumidor e, portanto, o homem mais interessante ao mercado e ao lucro.

Somos, assim, desde a tenra infância, educados para nos tornarmos homo faber, aprendermos uma técnica laboral, empregá-la para o acúmulo de riquezas e, assim, consumirmos mais e mais. Não somos estimulados à crítica ou a reflexão, mas sim à produção e ao consumo.

A vida do homem moderno, se encarada em sua essência, mostra-se como um profundo vazio desprovido de sentido. Não é a toa que na atualidade o consumo de drogas lícitas e ilícitas seja alarmante[1] como mecanismo para produção do efeito de euforia necessário ao preenchimento da doutrina da felicidade constante, bem como para desvio do sujeito de si mesmo e dos estímulos da própria vida.

Neste cenário em que vislumbramos o quão distópica é a nossa própria realidade, o modelo de educação, vida e pensamento são dirigidos a produção do homo faber e não de um sujeito crítico. Tal tendência, por óbvio, não é uma exclusividade da atualidade, mas ao contrário, é um processo que vem se consolidando ao longo da história, reduzindo a própria filosofia à negação da vida.

Neste cenário do século XXI, a era da tecnologia e da técnica não sobram espaços às reflexões propriamente humanas. O homem em vez de dominar a tecnologia, aprimorando seus atributos, é dominado por ela e, assim, torna-se dela dependente.

Um movimento curioso é enunciado neste início de século XXI. Os homens tidos por “brilhantes” são justamente aqueles que conseguem produzir em larga escala, decorar longas fórmulas – e como fórmulas destinam-se a formar o raciocínio lógico dedutivo, validando-o, mas são vazias em essência – ou seja, são aqueles que conseguem incorporar os atributos da máquina. Por outro lado, as máquinas mais evoluídas são, justamente, aquelas que conseguem incorporar as variáveis da mente humana na sua operacionalização, fazendo com que a inteligência artificial se assemelhe ao máximo possível à inteligência de um humano. O homem vem se tornando máquina, portanto, num processo de desumanização, ao passo que a máquina vem passando por um processo de humanização.

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